Entrevista com VJ Felipe Krust: a arte de representar música de forma visual

A experiência de uma festa, show ou evento vai muito além da música. 

Claro, o DJ, banda, e artistas no palco são aqueles debaixo do spotlight responsáveis por embalar o rolê, e os que muitas vezes lembramos no dia seguinte. Mas da iluminação, à cenografia, bar e outros, são centenas de profissionais envolvidos no processo de construção dessa experiência sensorial. Nada que acontece é por acaso. E se você está se sentindo profundamente envolvido com uma festa, certamente o VJ tem um papel importante nesse sentimento, já que ele é o responsável por construir uma história que sincroniza a experiência visual com a sonora.

Tivemos a oportunidade de conversar com um dos “magos” do VJing no Brasil, o querido Felipe Krust,  diretor de arte, editor de vídeo, webdesigner e VJ. O cara é autodidata, e há 15 anos vem encantando pessoas pelo Brasil.

Ele trabalhou em festivais como Electric Daisy Carnival (EDC), Villa Mix Festival, Lollapalooza, Festival Agrada Gregos, Kaballah, Só Track Boae até como Diretor Criativo do Ultra Music Brasil em 2016. Além de trabalhar ao lado de grandes DJs e artistas pelo Brasil.

A maioria das pessoas que tem contato com a música acaba pensando de cara em ser DJ. O que fez você escolher a carreira de VJ?

Em 2013 eu já trabalhava como designer, ainda no comecinho da carreira. E aí fui como fã mesmo no Lollapalooza Brasil lá no Jockey Club. Eu estava esperando o show do Deadmau5 e acabei pegando o show do Knife Party sem querer e aquele show mudou minha vida. Na época eles tavam apresentando um álbum chamado "Haunted House" que era uma temática de casa assombrada/filme de terror, todos os visuais eram INSANOS dentro desse cenário macabro. Cenas de filme sincronizado com a batida, fiquei totalmente pirado (e eu tava totalmente sóbrio ahahah) e virei fã do duo de djs sem nem saber o que era. Aquela experiência mudou minha vida e eu pensei "um dia quero trazer esse sentimento audiovisual pra alguém".

Onde você busca inspiração?  

Eu busco muita referência em coisas fora do escopo música eletrônica, o que ajuda bastante pra trazer algo "novo" nas apresentações. Muita ideia já veio de cena de crédito de filme, abertura de anime, jogos, videoclipe de outras músicas... Acho que só uns 30% de referência minha vem de outros shows / VJs na verdade.

Como é seu processo criativo com os artistas?

Eu só consigo fazer audiovisual pra artistas quando os conheço de fato, seja por uma conversa no Google Meetings ou já acompanhando seu trabalho pessoalmente. Eu preciso me sentir de certa forma conectado com seu trabalho pra tentar expressar em visuais o que ele apresenta... se não fica muito "genérico" ou sem uma abordagem artística que não curto. Quando a gente se reúne e conversa sobre o trabalho, a gente monta uma apresentação trazendo um conceito criativo em cima do show atual e eu trago um roteiro completo de como vai ser.

Quais são suas referências e/ou VJs que você acompanha?

Sempre olhei bastante lá pra fora do país pra ver o que faziam e coloquei como "meta" ter o mesmo talento dos gringos... o coletivo Wolves Visuals https://www.instagram.com/wolvesvisuals/ e o que o SUS BOY https://www.instagram.com/susboy/ faziam no passado era insano. Mas hoje em dia olho bem mais pro cenário nacional como referência, acredito que temos muito potencial aqui com o United VJs todo (VJ Erms, VJ Spetto, etc, lendas vivas que carregam nas costas o audiovisual BR) além de várias pessoas de um grupo chamado "VJzada" de todo Brasil que traz sempre ideias e execuções bem iradas.


Como funciona o trabalho de VJ, desde a construção imagética até a apresentação final?

Depende muito do projeto na verdade... quando é pra cuidar do audiovisual de uma festa é bem livre e improvisado, sendo necessário mais estudar quais artistas estão no lineup, qual público e o artwork do evento - ver como podemos explorar em gráficos pra que agrade os presentes e também crie os momentos necessários pro evento em si. A execução fica muito mais fácil quando você estuda bem estes 3 fatores: o que é o evento, o público e quem são os artistas.

Já pra audiovisual de artistas: é importante estudar o trabalho dele em si mas muito mais que tipo de show ele tá trazendo, o que ele quer que eu some visualmente com ele no som, por exemplo... se ele tá em um show mais "dark", eu não posso adicionar visuais coloridões por mais que sejam dahora porque não é bem isso que ele tá querendo passar como artista. Tem que ter todo um estudo, é bem mais do que só "dar play" em vídeos.


Conta pra gente uma festa na qual você trabalhou que marcou sua carreira

Um dois momentos específicos que senti que venci na vida, acho que marcaram pra sempre: a primeira vez que fiz audiovisual para artistas estrangeiro (e não só isso, lendas da música eletrônica) na festa de 25 anos de carreira do DJ Andy em 2017. Teve nomes lendários como Dave Angel, Dillinja, Bizarre Inc, e mais.

Outro momento irado foi em 2018 pela 1ª vez no Lollapalooza Brasil com a Devochka. Ali eu fiquei muito emocionado porque eu trabalhei no escritório da T4F - Time For Fun, produtora do evento de 2014 a 2016, então eu já tinha trabalhado no evento na parte "operacional" e aí depois de uns anos ser recebido como artista, chegando de helicóptero e tudo mais foi um auge da vida da p¨%$#. rs

Vamos falar sobre seu trabalho na criação de videoclipes?

Eu sempre sonhei em ser um diretor de videoclipe referência, ainda vou chegar lá! Eu tento trazer todo esse background que eu tenho como diretor de arte + VJ nas produções de videoclipes, geralmente sempre com muito grafismo e ideias diferentes do tradicional. Penso sempre que o videoclipe hoje em dia não é mais como antigamente, que depende só de bom storytelling ou a imagem do artista em si. Todo mundo busca muita coisa visual pra impactar, não é mais fácil impactar só com pouca coisa. Então eu tento pensar sempre em como sair da caixa dentro de um formato de entrega "padrão".

O videoclipe favorito que já fiz em termos de criatividade foi esse que só usei vídeos de banco de imagens sobre PERERECAS e acabou formando uma doidera insana:

E o que mais gostei de dirigir foi esse, com certeza, onde realmente teve uma produção legal no todo:

O trabalho do VJ é importantísstimo para a performance de uma faixa na pista de dança… Como você consegue a melhor sincronia com o som?

O que muita gente não sabe, é que a maior parte dos VJs fazem suas performances quase sempre em 100% improviso. Existe o "timecode", onde você literalmente sincroniza o video pra dar play junto com a música e aí não tem performance ao vivo, é só configurar mesmo. Mas na maior parte dos shows de música eletrônica, o VJ precisa estar ligado no som/ter bom senso de audiovisual pra poder executar o visual com o que combina com o som. Por mais que a pista não precise entender isso exatamente, é uma satisfação gigante quando a gente encaixa movimentos/cores e efeitos com algo que transforme a pista num cenário específico pra um som que a gente nem sabia o que viraria antes de estar ali. A minha estratégia pra acertar sempre foi de imaginar algo que gostaria de ver na pista se tivesse ali pra curtir, quando sinto o começo do build up da música... e imagino o que possa ser o drop, eu crio rapidinho ali na hora uma cena que vai casar com o som. 7 entre 10 vezes a gente acerta... rs. mas mesmo quando a gente não acerta, não fica tão perceptível assim o "erro". Acaba só sendo menos impactante.


Queremos uma história engraçada que você já passou

Nossa, várias! Ahahaha, vou contar só uma pra não estender tanto... eu tinha um Macbook de 2011 bem capenga que já tinha sido até derrubado jarra de água nele, era um sobrevivente, tadinho. RIP. Aí em 2017 eu fui fazer uma festa com ele no Fabrique, esse Mac sempre suava e dava problema pra executar os AV, travava muito... as vezes nem funcionava... já passei uns perrengue brabo... e nesse evento eu tava lá empolgadão porque ia ser apresentação de dois amigões meu que trazem um som pesado (Shavozo e Flying Buff), e acho que pela soma de todos os fatores (o notebook ser véio, calor extremo dentro do Fabrique e o som pesadasso)... eis que meu Macbook COMEÇOU A DERRETER. Isso mesmo, DERRETER. Eu notei porque fui apertar as teclas e tava tudo MOLE. Na hora minha expressão deve ter sido muito engraçada de desespero porque eu não sabia o que fazer REAL. Ainda tava na metade do show dos meninos... ahahah no fim, cheguei em casa com as teclas do notebook tudo torta. Hoje em dia eu fico muito contente de ter o patrocínio da NVIDIA que me deu um notebook que dá a segurança plena de que nem de perto vou ter esse problema de novo. Que alívio!


Qual foi seu maior desafio até hoje?

Já tive uma série de perrengues que se eu contasse todos ia virar um textão enorme aqui... eu de verdade não consigo eleger "o maior" porque já tive muitas situações que pensei "não vou conseguir dessa vez", tanto em questão de trabalho / execução quanto até de saúde (muita noite sem dormir e comer direito pra terminar os materiais já me deixaram em risco demais). Se não fosse Deus cuidando de tudo, eu tenho certeza que não ia estar aqui em busca de mais desafios e conquistas assim.


Como você enxerga o atual momento do VJing no Brasil? Como podemos evoluir e reconhecer mais importância desse profissional?


Acredito que hoje há uma maior importância a profissão VJ mas ainda tá longe do ideal. Desde a remuneração baixa até a desvalorização como artista tanto quanto um DJ as vezes. Muitos profissionais na verdade ficam nos "bastidores" fazendo o show acontecer tanto quanto quem está no palco, mas acaba que esse anonimato vira algo não só em questão de status, mas de não relevância ao contratar um profissional que vale seu custo. Quando trago esses conteúdos nas redes sociais nem é sobre ego ou me deixar famoso, é pra conscientizar e propagar a mensagem de que nos artistas visuais pensamos, nos dedicamos e nos esforçamos pra fazer uma entrega diferente a cada show... e a esperança é que esse esforço tenha um retorno apropriado num futuro próximo.

Como foi trabalhar ao lado de grande artistas no Lollapalooza 2023?

Foi incrível, mesmo. A Devochka foi a primeira artista a me chamar pro Lolla em 2018, então teve uma sensação de "estar em casa" muito boa nessa volta esse ano. Ela é uma artista sensacional então fica fácil acompanhar visualmente seu som, difícil é ficar parado na house mesmo, hahaha. Com a Carola foi a estreia da nossa parceria, mesmo não a conhecendo tanto, sei do potencial dela que é gigantesco e de certa forma apoiar ela nessa ascenção absurda dela me fez me sentir privilegiado. O Santti é um xodó meu já, desde que fiz o audiovisual dele em 2019/2020 que gente se admira muito como artista e pessoa, nessa apresentação foi uma sensação de "subimos no topo juntos", sabe? Estávamos entre amigos, toda equipe, trabalhando juntos. Sensação de milhões!


Um evento que você sempre quis fazer parte

Tomorrowland acho que é a meta de geral por ser o maior evento de música eletrônica do mundo. E talvez... talvez... eu participe da edição em nossa terrinha esse ano, heim 👀 (spoiler?)


A criação de conteúdo em rede social tem ajudado a dar visibilidade e aproximar os fãs do trabalho dos VJs, e você tem feito isso de forma muito legal. Que dica você dá para o profissional que quer começar a mostrar mais do seu processo nas redes?

Essa é uma das coisas que tento me dedicar ao máximo, por mais que falte tempo livre as vezes pra elaborar bons conteúdos pras redes sociais. Acredito que quanto mais a gente, VJs, postar mais as pessoas vão entender o que é a profissão em si e o quanto é importante pra um show acontecer. A dica que eu dou é: separe qualquer detalhezinho, qualquer render, qualquer "aqui está o conceito que pensei" pra poder gerar esse conteúdo do que você faz. E seja confiante que você manda bem e este conteúdo está apresentável! Muita das vezes eu deixei de postar coisas porque achei que não tava bom o suficiente (aquele clássico comparativo que a gente faz de sempre pensar que somos menores)... mas mesmo que for "simples", poste, porque pra alguns pode não ser tão simples assim e vai agregar conhecimento/entretenimento de qualquer forma. Quem gosta de você e te apoia quer te ver fazendo qualquer coisa, se tiver 1 comentário de um amigo, tá ótimo, você atingiu esse amigo e isso importa. Não se preocupe em não viralizar, em não bombar. Se preocupe em ser importante pra aqueles que te vêem e já interagem. O que vier acima disso é lucro!


O que vem por aí para o Krust 2023?

Esse ano eu tinha programado reduzir um pouco as performances de VJ pra poder estudar mais 3D, quero muito me especializar em Blender, Cinema4D e Unreal Engine. Até hoje quase nunca sobrou tempo pra explorar tanto e aprender de fato fazer muita coisa nessas ferramentas. Então o que podem esperar pra esse ano que vai ter mais 3D do que nos outros anos. Além disso, tenho algumas ideias de projetos visuais pra lançar, uma exposição-festa pro próximo semestre... muita coisa boa pra 2023!

Para fechar com chave de ouro: o que a música representa na sua vida?


A música literalmente é o que dita minha vida desde quando era criança. Eu me apeguei muito em fazer imersões sonoras como terapia, tanto pra me acolher quanto pra me inspirar. Acho que é impossível viver hoje sem a música no geral. Não só deixando de trabalhar com, mas acompanhando o mundo da música. Acho que é a maior parte do meu conhecimento também, eu estaria descartando parte do meu cérebro se abandonasse o mundo da música hoje. Faz parte de mim e de toda minha experiência hoje.

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